Não são poucas as vezes em que toco no assunto mediação ambiental e ouço a pergunta: “você acredita mesmo que isso pode dar certo?”
Em algumas ocasiões, a surpresa é a transposição do instituto da mediação para uma área onde não se destaca (apesar de algumas vezes estar presente) o caráter emocional do conflito, como ocorre, costumeiramente, nos conflitos decorrentes de relações de família. Em outras, falar em negociação e meio ambiente já causa certo impacto. Como permitir concessões envolvendo um bem que não é individual, mas de toda a humanidade? Aliás, perceber a existência de um interesse difuso, naturalmente inerente à problemática ambiental, já faz com que muitos autores atribuam enorme resistência à adoção de soluções negociadas nesse âmbito, conferindo uma nota de indisponibilidade aos bens ambientais. Veja-se o caso dos TACs: por mais que nossa legislação preveja a possibilidade de os órgãos públicos legitimados para a propositura de Ação Civil Pública firmarem Compromissos de Ajustamento de Conduta com os poluidores (Lei 7.347, artigo 5º, §6º), seu viés negocial ainda tem sido alvo de uma visão bastante restritiva, até mesmo por juristas que defendem uma natureza mais flexível desse instituto, ao aduzirem se tratar de ato jurídico cuja capacidade transacional estaria limitada aos elementos acessórios do ajuste, como o prazo de cumprimento das obrigações convencionadas.
Por outro lado, se observarmos atentamente nossa vida cotidiana, vamos identificar vários exemplos de como dispomos de recursos ambientais de uma forma – vamos dizer assim – socialmente tolerada. Vejamos o exemplo dos automóveis, onde, só por utilizá-los, já dispomos de uma parcela de ar puro, despejando uma considerável quantidade de CO2 na atmosfera. A própria legislação de trânsito prevê níveis toleráveis de “emissões poluentes”, cuja observância é aferida (ou deveria ser) no momento da vistoria periódica oficial. Será que não dispomos de uma quantidade significativa de água para nossas necessidades básicas? E o papel, que apesar de ser causa da derrubada de milhares de árvores tem resistido tão duramente às constantes inovações tecnológicas?
Alguns podem se insurgir contra tais exemplos, dizendo que em muitos desses casos há uma compensação financeira para a utilização de recursos naturais. Ora, mas se o argumento usado para resistir à adoção da mediação ambiental como método de composição de conflitos envolvendo o meio ambiente está centrado na impossibilidade serem utilizadas soluções negociadas na tutela de interesses difusos, voltados a proteção de bens indisponíveis, como dizer que estes interesses cederiam diante de uma mera contraprestação financeira?
Creio que o problema esteja na falta de caracterização do que seria esse interesse difuso relacionado ao meio ambiente. Se entendermos que o interesse difuso seja a conservação pura e simples de recursos naturais indisponíveis, de fato, estaríamos na iminência de, por exemplo, permitir que os usuários de e-readers (como o Kindle) tenham deferidas medidas judiciais com a finalidade de fechar livrarias e editoras que ainda vendam e trabalhem com livros de papel. Ou que ciclistas exijam a proibição da fabricação, venda e circulação de automóveis.
No entanto, se tomarmos, por exemplo, o artigo 225 da Constituição Federal, veremos que o núcleo do interesse difuso relacionado ao meio ambiente é, na realidade, a proteção do equilíbrio ecossistêmico, voltado à garantia do acesso a recursos ambientais tanto no presente quanto no futuro. Assim, nada impediria a utilização de recursos ambientais individualmente. O que não se admite é que tal utilização seja capaz de acarretar algum desequilíbrio no ecossistema, impedindo a auto-regeneração do meio e, consequentemente, sua utilização por gerações futuras.
Assim, chegamos a nossa primeira indagação fundamental: se uma determinada atividade é capaz de desequilibrar o ecossistema, mas, ao mesmo tempo, se mostrar necessária ao nosso desenvolvimento, o que fazer? Só há uma solução: criar soluções para reequilibrá-lo. Abram-se as portas para a mediação ambiental.